Capítulo I - Aplicando Maquiavel no dia a dia

01/10/2013 11:45

Capítulo I - Livro  Aplicando Maquivael no dia a dia - Editora Madras/SP - 2008

 

 

 

 

-          Você está lendo Maquiavel?!

-          Sim, por quê?

-          Mas é que ele escreveu para reis, regentes e governantes...

-          E por um acaso, não sou também o governante de minha família, o gerente de meus bens, o dirigente de meu emprego, um administrador de meus negócios, enfim, o regente de minha vida?

 

            Da mesma forma que, numa certa fase de nossa infância, descobrimos que os bebês não são trazidos no bico de uma cegonha e,  que o bom velhinho Papai Noel, na realidade, não existe, ou ainda, que nosso pai não é aquele super-homem que imaginávamos, mas uma pessoa normal, com  virtudes e deficiências, assim há também uma fase de nossa vida que é necessário descobrir que o mundo e as relações entre os homens não são maravilhas utópicas que imaginávamos, enfim, há um momento que é necessário deixarmos de ser ingênuos. Há uma hora que precisamos saber que no mundo nem sempre as coisas acontecem com a mesma pureza e ingenuidade que encontrávamos nas estorinhas de nossa infância, que nem tudo pode ser dividido entre o bem e mal, entre mocinho e bandido e, a vida real não pode mais ser vista sob o prisma meigo e inexperiente do Chapeuzinho Vermelho que, aliás, foi comida pelo lobo. Insistir na ingenuidade é ser um suicida de seus legítimos bens e interesses.

            Até que o mundo seja o que ele efetivamente é, e não o que gostaríamos que ele fosse, se pretendemos verdadeiramente enxergar o mundo mais próximo possível de sua realidade e não nos atermos a preconceitos inocentes, se queremos de fato quebrar a casca de singeleza que recobre a nossa visão e nos propormos a estar mais preparados para enfrentar o mundo real, não agindo como simplórios, não permitindo que nos tratem como tolos vulgares, há um momento que precisamos compreender que a vida concreta é uma constante disputa que se processa a cada segundo de nossa existência, comandada por interesses antagônicos - o verdadeiro pano de fundo nas relações entre os homens, entre as entidades, empresas e países, subjazendo a máxima seletiva: cada um por si.

Mantidas as devidas proporções, é por isso que devemos aceitar como natural que cada um, lançando mão das armas que tem à disposição, tem o direito de existir e defender seus interesses, de promover sua subsistência, de buscar seu sucesso pessoal, incluindo-se nessas condições os nossos inimigos. Compreender esta realidade é o mais verdadeiro e profundo ato de compaixão.

            Uma situação que exemplifica bastante o que pretendemos expor é a tábua de salvação: imagine que você esteja viajando num barco em alto mar, com outras pessoas. De repente, uma tempestade aparece e vira o barco, que naufraga. Permanecem à tona você, outra pessoa e um pedaço de madeira que, devido à sua forma e tamanho, só pode salvar um de vocês dois. Veja, somente sobreviverá aquele que se agarrar à tábua de salvação e, somente um poderá fazer isso. Caso os dois se agarrarem, morrerão. Assim, você só tem duas opções: ou aceitar se afogar, o que é praticamente um suicídio, ou lutar com o outro para tentar obter a madeira que salvará a tua vida e, com isso, estará condenando o outro à morte.

De forma bem simples: viver ou morrer, ou, de uma forma ainda mais cruel: morrer ou matar. Não é legítimo que você lute para sobreviver? Não é isso que você faz todos os dias?

A vida é feita de opostos, uma permanente condição de contendentes, sentenciou o filósofo Heráclito, há mais de dois mil e quinhentos anos atrás.

Interessante notar que essa idéia-chave dos opostos em conflito pode ser encontrada na maioria das grandes civilizações. Todas as coisas que conhecemos geram-se por meio de contrastes, há uma guerra perpétua entre contrários que se aproximam. O filósofo então prescreve: A guerra é mãe de todas as coisas e de todas as coisas é rainha.

O sentido figurado da guerra é aplicável a todo e qualquer conflito, seja entre indivíduos, entre os amantes, entre entidades, entre empresas ou entre países.

            Não podemos deixar que a nossa ingenuidade nos obste de ver que os homens não são, ou não podem ser, tão bons como julgávamos que eles fossem, que as pessoas, independentemente da nacionalidade, posição social, raça, sexo ou idade precisam agir e jogar o jogo da vida, buscando sobreviver e satisfazer as suas necessidades e interesses, sejam eles confessáveis ou ocultos. No meio dessa realidade, não é lúcido negligenciar estupidamente que as pessoas e as corporações em conflito busquem constantemente enfraquecer, dominar ou eliminar os seus adversários, fazendo, muitas vezes, o que for preciso para atingir os objetivos e tirar vantagens.

            E isso não é um banho de maldade, mas, um banho de realidade. Isso implica que não devemos nos permitir ser levados pelas aparências das coisas, mas que a busca da verdade deve ser uma constante em nossa vida, mesmo que às vezes não seja tão simpática. É preciso ver que a maldade e a bondade são legítimas e ambas têm o seu segredo em nossa essência humana.

            É claro que devemos ser repletos de piedade, de fé, de virtude, de humanidade, mas, em situações que isso se tornar impossível, não nos é permitido a incúria para com a realidade dos fatos, sob pena de cometermos imprudência com a subsistência de nossos interesses, e também daqueles que se encontram sob nossa responsabilidade – nossos filhos, nossos amigos, nossos parentes, nossos subordinados, nossos empregados - o que seria uma grande infâmia contra nós. Ser bons e honrados sim, mas tolos e estúpidos, não!

            Não pode ser correto o juízo que nos aconselha a permitir que sejamos enganados, roubados, trapaceados em nosso patrimônio ou no bem estar da nossa família ou de nossa empresa, por exemplo, simplesmente por estarmos presos a preconceitos simplórios a respeito da avaliação da realidade. Que honra há em permitir que sejamos feitos de idiotas pelos outros? Que sistema ético poderia exigir de nós passividade e omissão diante de agressão e opressão, muitas vezes, dissimulada, contra nossas vidas, nosso patrimônio, ou a saúde de nossos filhos?  Foi Cristo que, ao enviar seus discípulos, admoestou-os, dizendo para serem prudentes como serpentes entre os lobos.

            Naturalmente a vida nos porá diante de embates e devemos estar preparados para enfrentá-los, e quem vai à guerra, dá e leva. No mesmo sentido, o pensador Fiorentino Nicollò Maquiavel disse que um príncipe não deve ter outro objetivo, nem outra preocupação, nem se dedicar a outra coisa na vida senão à arte da guerra, sua organização e seu estudo. Ora, se como disse Heráclito a vida é uma constante guerra, não só os príncipes, mas também nós, comuns mortais, devemos estar conscientes e preparados para os combates da vida e por isso esta obra tem a intenção de trazer para o dia-a-dia as questões levantadas por Maquiavel.

            Como uma das figuras mais polêmicas de nossa história, Maquiavel foi também um dos mais originais pensadores do renascimento e escreveu como um príncipe deveria agir para conquistar e depois manter um Estado. Sabemos que muitas coisas mudaram desde Maquiavel até os nossos dias, mas as regras da vida permaneceram as mesmas. Os mesmos conselhos dados por Maquiavel para que um Príncipe conquistasse ou mantivesse um Estado, semelhantemente se prestam para que as pessoas conquistem e mantenham seus “Estados” que podem estar representados pelo seu patrimônio, pela sua reputação, pelos seus bens, pela sua família, pelo seu emprego ou cargo, pela sua empresa, enfim, por aquilo que há de valor na vida de um ser humano.

            A arte de viver e de governar é a mesma, e assim os conselhos expressados por Maquiavel podem e devem ser democratizados e se prestarem à conquista e à defesa do conjunto de bens naturais e culturais de cada ser humano e os mais preparados governarão sempre. Se queres a paz, prepara-te para a guerra.

            Analogamente ao que foi ajuizado a um príncipe, interessa-nos a conquista e a manutenção daquilo que temos e daquilo que somos e, por essa razão, também devemos ser calculistas nos momentos de dificuldade, sabendo o que fazer e o que dizer nas horas em que estiver em risco aquilo que temos de valor. Da mesma forma que é legítimo a um príncipe defender seu Estado, também é legítimo defendermos nossa família; assim como é legítimo a um príncipe atacar um país antagonista, igualmente nos é legítimo, lutarmos contra os concorrentes de nossa empresa ou contra aqueles que pretendam nos causar prejuízos; assim como é legítimo a um príncipe lutar contra seus inimigos e traidores internos, da mesma forma nos é legítimo combater nossos pontos fracos ou aqueles que querem nos molestar.

            Para expor seus polemizados métodos que aqui se propõem, sejam também aplicados no nosso cotidiano, Maquiavel baseou-se mais numa ética guerreira e prática do que numa moral contemplativa e, muitas vezes, hipócritamente submissa. A moralidade expressa por esse pensador florentino é uma moralidade ativa e eficaz de quem não pode fugir das lides do real cotidiano, de quem precisa arregaçar as mangas e enfrentar a luta efetiva e cruel do dia-a-dia, no meio dos lobos, para alcançar seus sonhos.

            Uma vida sem sonhos e objetivos não vale a pena ser vivida. Para alcançá-los, há a necessidade de enfrentar disputas e a cada momento implicará numa escolha entre ser um dominante ou um dominado, um guerreiro ou um lacaio, um lutador ou um fraco, um vencedor ou um vencido.

      

Não devemos esquecer que o desejo de alcançar o sucesso na vida, de realizar os sonhos é humano e universal e a experiência nos ensina que aquele que se empenha em torná-los realidade sempre é motivo de admiração e louvor entre os homens. É inclinação do homem menor ser dominado, rebaixado, roubado, iludido, explorado, humilhado. Para ele não se presta o que aqui vai.

 

 

Autor - Fernando César Gregorio

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