Eu e meu filho estávamos em um estacionamento esperando por minha mulher, encostados no carro e, nós homens, sabemos que nestes momentos precisamos exercitar toda nossa paciência, que não é lá muito elástica, pra dizer a verdade. Sinto privilégio de ter este prazer enorme de estar com ele, é um cara que realmente admiro. O ar primaveril estava fresco e agradávelmente perfumado, quando sem querer começamos a observar em silêncio o céu maravilhosamente límpido e estupendamente estrelado. Ficamos calados por alguns segundos admirando aquele espetáculo de vastidão, de infinito, de profundo mistério. Poucas vezes no estilo de vida que levamos hoje em dia, temos esta chance. Eu lembrava a ele que os antigos pastores tinham constantemente esta enorme prerrogativa e por issso dizem os historiadores serem eles os precursores do estudo da astronomia.
Permanecemos calados por um bom tempo, quando meu jovem filho quebrou o silêncio: -Pai, às vezes eu sinto medo de olhar pra este universo infinito, sem saber o que pode haver lá. Acho que também seria maravilhoso poder observar a terra lá do espaço, não acha?
Não sinto assim – eu disse – me dá uma certa fobia ver este planetinha flutuando no vácuo e ainda saber que ele não significa absolutamente nada perto do espaço infinito. E nós dentro dele significamos menos ainda!
Olhei de novo para o firmamento translúcido e polvilhado de infinitas estrelas e me lembrei de Lucrécio, maldito Lucrécio: somos átomos, somente isso: átomos!
-Somos feitos da poeira daquelas estrelas – divaguei em voz alta – somos somente pó daquilo tudo que estamos vendo e, por alguma razão, ou mero acaso, organizou-se em vida consciente por algum tempo.
Olhamos-nos como que querendo falar alguma coisa um para o outro, mas sem ter o que dizer. Voltamos a ficar em silêncio admirando o espetáculo que nos dava temor.
Ás vezes eu sinto que firo com minha materialidade e incredulidade, com minha atomicidade lucreciana, a esperança tenra de vida de meu filho ainda adolescente, e por causa disso à vezes deixo de ser sincero quanto a estas coisas. Não minto, mas me omito.
Pra quem está começando a viver, repleto da viçosa e vivificante esperança, que tem toda a vida pela frente, o sabor de desbravar a existência, de alcançar objetivos, de encontrar amores, de buscar a realização, vou eu, este velho recluso e cético estragar esta maravilhosa fase de meu filho?
Pregar, em outras palavras, a desesperança de que nada importa do que façamos nesta curta e sofrida existência, totalmente desprovida de sentido, pois voltaremos a ser em brevíssimo espaço de tempo simplesmente átomos?
Mas as vezes me pergunto: se os deuses realmente não existem e nada vai mudar o destino de nos tornarmos inexoravelmente meras partículas inanimadas de matéria, então acreditar e não acreditar dá no mesmo, ou seja, tanto faz como tanto fez, não é? Mas crer em alguma coisa além, sei lá, uma causa primeira, mesmo que no fundo saibamos poder estar enganados, faz bem pro coração, é um alívio pro espírito. Então, se tanto faz como tanto fez, posso me dar o direito a uma dose de fé, este ópio talvez injustamente condenado por Marx, como se usasse de um analgésico pra dura realidade da existência, só pra entorpecer um pouco a dor de saber que não se é nada, e aumentar um pouco a vontade de levantar da cama de manhã.
É assim que vejo aquelas mentes infantis participando de missas, cultos, orações, procissões e todo tipo de cultos religiosos. Imagina ser bem velhinho e saber que dalí a poquinho vai se virar átomo! Dá pra dar um desconto, não é?
Mas penso: obviamente em pequenas doses, assim como devemos fazer com o vinho. Será que estou me tornando uma espécie de filósofo fraco e covarde para suportar e verdade? Parei de fumar a vários anos, e uma vontade igual de voltar a fumar me perturba de vez em quando.
A dialética fé e dúvida é inerente à natureza humana, naqueles em que a fé é a opção, o dúvida frequentemente faz seus assaltos; naqueles em que a consciência da dúvida é a regra, a fé em surdina insulta em inconstante situação para deixar dúvidas sobre a própria dúvida.
- O senhor não acredita em Deus, não é pai? - perguntou-me meu filho, fitando-me nos olhos.
- Como você quer que eu descubra todas as respostas daquele infinito mistério – disse eu apontando o firmamento estrelado, como um sofista encurralado – se dispondo pra isso somente de um quilo e meio de tecido dentro de uma caixa de osso – respondi , fugindo astutamente da questão.
Fernando César Gregorio